sexta-feira, novembro 16, 2012

O Amor, esse objeto


Depois de longo "inverno" sem um texto publicado neste espaço, aí está um enorme! Confesso que um tanto quanto acadêmico, mas nem por isso menos poético, não poderia ser diferente! Para os que amam!


O Amor, esse objeto

Somos seres de linguagem e através dela nomeamos coisas, ordenamos, tentamos entender, sentir e explicar o mundo que nos cerca e nos compreende. Nos tornamos, então, capazes de nos comunicar, expressar ideias e sentimentos. É fundamental dizer que este fenômeno social, além de essencialmente relacional, devido ser algo que transcende o ser, mas que necessita dele para ser pensado, não se restringe somente ao código verbal, mas tudo que for passível de interpretação. Então, além da fala e da escrita podemos por exemplo pensar as imagens em movimento numa tela de cinema, no tom da voz ou num gesto corporal, e é neste sistema sígnico, que as relações e práticas comunicacionais se estabelecem.

Ainda dentro da perspectiva relacional, a linguagem é um signo análogo, isto porque há algo em relação aquilo que tentamos traduzir, que se assemelha, mas que também se diferencia dele. A linguagem é, na realidade, incapaz de representar verdadeiramente e plenamente o mundo e sua essência. Segundo Júlio Pinto (2009), um signo que nos inclui no mundo dos objetos, mas nos exclui do mundo das coisas. Instituímos relações a partir de referentes idênticos, fazemos conexões mentais, assim num processo contínuo de produção de sentidos. Esses se divergem das formas mais variadas, isto porque “o sentido é uma direção que a significação pode tomar dependendo das escolhas que o receptor fizer, dependendo daquilo que o atinge ou que ele quer atingir” (PINTO, 2008). Funda-se uma relação entre “emissor” e “receptor” num movimento de troca ininterrupto e complexo, como se enredando um tear, em que fios se entrelaçam e fazem suas conexões, uma rede. Algo que ora é signo, se torna significante e se transmuta em significado, desse modo falar da produção de sentidos é no mínimo confuso. Como ser certeiro ao discorrer sobre o emaranhado complexo que é a produção de sentidos? Como não ser ambíguo num campo simbólico como é o dos sentimentos e das paixões? Falar de amor, certamente, é provocar eloqüentes discussões. Sem dúvidas, este sentimento provoca possibilidades de leituras, muitos discorrem sobre as formas de amor ou sobre como se dá este vinculo emocional, outros descrevem sobre os jogos de conquista nas relações ou sobre a tristeza do sentimento não correspondido. Discursos que levam a crer ser este tema algo simples, ledo engano! Neste contexto amplo e inexato, numa tentativa despretensiosa, vagueio sobre fragmentos que envolvem esta manifestação sentimental entre amante e amado, sobre o amor. Será possível?

Tomando como princípio a impossibilidade de exterminar o caos em processos de interpretação e re-significação que ocorrem também e, naturalmente, nas relações entre ser amado e amante a inexatidão é, de fato, uma circunstância demasiadamente opulenta. Para Barthes (2003) o amor se torna um valor poderoso e resistente para aqueles que amam, ainda que apresentadas as dificuldades, os desesperos e os mal-estares, as pessoas amam e partilham esta virtude encontrando, numa  poética teimosa, boas razões para amar.

O que pulsa e atrai no ser amado? Acredito que o desejo latente impulsiona e prende o ser amante nesta leitura interpretativa. Por que não dizer relação interpretativa? Talvez seja o desejo incessante de descobrir o que há nas nuances manifestadas pelo ser amado, talvez o que se manifesta nele preenche uma carência do amante, talvez as dúvidas ou um certo lugar de incertezas que atraem. O que há atrás do véu? Que fendas são estas?  O que me falta? Qual o segredo deste entrelugar? Amo e sou amado? O sentido estará sempre em “outro” lugar e a troca acontece incerta e fluida de forma incessante numa construção imaginária infinita. Esta cadeia de sentidos é de grandeza incalculável, e em se tratando de construção e produção de sentidos, me atrevo a dizer que estas trocas entre amados e amantes são como manifestações artísticas performáticas. As performances tem a capacidade de atrair o olhar atento dos transeuntes, que param, se prendem e acontece naquele instante um elo. O olhar, segundo Barthes (1990), sempre procura alguém ou alguma coisa, ele é inquieto. Este “olhar” denotado por Barthes diz do sentir, da escuta, do toque, da procura!

O olhar atento do amante encontra em seu objeto algo que o fascina, algo que o classifica, invariavelmente, como ser único, dotado de uma originalidade brilhante e aura encantadora.

“Encontro em minha vida milhares de corpos; desses milhares, posso desejar algumas centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro de que estou enamorado me designa a especialidade de meu  desejo.” (BARTHES, 2003, pag. 11)

O amado, por sua vez, atua fabricando uma linguagem própria que reforça esta classificação, um vai-e-vem abundante de produção de sentidos que se tangenciam na busca incessante pela miraculosa completude. Importante declarar aqui, que este fragmento sobre o qual discorro, pressupõe uma relação mútua e, portanto, compartilhada. Entretanto, os signos, linguagens, códigos “compartilhados” dizem de um lugar peculiar de cada consciência nesta relação. Então como o ser amado e o ser amante seriam capazes de interpretar algo de forma idêntica sem que algo escape? Nesta troca “tudo” pode significar nada; o dito, pode não dizer; o que se esconde, também se mostra. Signos produzem sentidos mas estão sempre aquém do Sentido, segundo Pinto (2009). A impossibilidade grita, pois o processo de produção de sentidos é individual, o sujeito constrói um universo só dele, paralelo, atraído pela possibilidade de preenchimento de fendas, através de um conhecimento particular (HILDEBRANDO, 2003). Já que o sentido produzido é proveniente de referências, experiências, aflições, lembranças vindas da percepção de um mundo próprio, um lugar simbólico e muito singular, talvez falar de um espaço “virtual” não será tão absurdo, já que existe somente no imaginário e é neste lugar que os seres se diferenciam, invariavelmente e evidentemente, também em suas expectativas, desejos e ideias.

Amantes e amados se misturam neste processo fantástico e sedutor, por algum motivo se atraem, se distanciam, se confundem e a busca perdura. Ouso dizer, pelo amor à poesia da Vida, que o que procuram seres amantes e amados é também o que procura persistentemente a humanidade, preencher o que lhes falta. A completude está além de nós, ela é fugidia. Este é o sentido.

Bibliografia

BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1990.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um Discurso Amoroso. Martins Fontes. 2003.
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. Editora Perspectiva, São Paulo, 2002.

HILDEBRANDO, Antônio; Nascimento, Lyslei; ROJO, Sara. O corpo em performance: Imagem, texto, palavra, NELAP/FALE/UFMG, Belo Horizonte, 2003.
OLIVEIRA, Ivone de Lourdes e SOARES, Ana Tereza Nogueira (Orgs). Interfaces e Tendências da Comunicação no Contexto das Organizações. São Caetano do Sul SP. Difusão. 2008.
PINTO, Julio. Algumas Semióticas / Julio Pinto, Vera Casa Nova.  Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2009.
PINTO, Julio. O Ruído e Outras Inutilidades; Ensaios de Comunicação e Semiótica/ Julio Pinto. Belo Horizonte. Autêntica, 2002.

2 comentários:

gelik disse...

Li, reli, li de novo ainda...
Claro... a poesia está em vc, está no seu jeito de ver o mundo. Mas o texto é também filosófico, sociológico... semiótica pura! Quantas nuances ele nos instiga a refletir...
Alguns filmes que gosto muito tratam dessa presença misteriosa que invade a nossa existência: o amor! "De Lovely" é um deles. Amor e desejo: como os confundimos...
Alguns veem no amor a saciedade, outros (como vc bem disse) veem a incompletude, a falta perene.
Djavan é sábio quando diz: "E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços"
Parabéns, Tatiane! Vc brilha cada vez mais!

Clementine disse...

Ahhh Djavan!! Adoro a poesia dele! O texto é mesmo semiótica pura, é a nossa Vida, cheia de fendas e nós né? E por isso bonita e feia ao mesmo tempo... delicada e forte, macia e pedra... a Vida é assim um eterno descobrir!
Obrigada por vir me visitar aqui (sempre)!