Depois de longo "inverno" sem um texto publicado neste espaço, aí está um enorme! Confesso que um tanto quanto acadêmico, mas nem por isso menos poético, não poderia ser diferente! Para os que amam!
O Amor,
esse objeto
Somos seres de
linguagem e através dela nomeamos coisas, ordenamos, tentamos entender, sentir
e explicar o mundo que nos cerca e nos compreende. Nos tornamos, então, capazes
de nos comunicar, expressar ideias e sentimentos. É fundamental dizer que este
fenômeno social, além de essencialmente relacional, devido ser algo que
transcende o ser, mas que necessita dele para ser pensado, não se restringe
somente ao código verbal, mas tudo que for passível de interpretação. Então,
além da fala e da escrita podemos por exemplo pensar as imagens em movimento
numa tela de cinema, no tom da voz ou num gesto corporal, e é neste sistema
sígnico, que as relações e práticas comunicacionais se estabelecem.
Ainda dentro da
perspectiva relacional, a linguagem é um signo análogo, isto porque há algo em
relação aquilo que tentamos traduzir, que se assemelha, mas que também se
diferencia dele. A linguagem é, na realidade, incapaz de representar
verdadeiramente e plenamente o mundo e sua essência. Segundo Júlio Pinto
(2009), um signo que nos inclui no mundo dos objetos, mas nos exclui do mundo
das coisas. Instituímos relações a partir de referentes idênticos, fazemos
conexões mentais, assim num processo contínuo de produção de sentidos. Esses se
divergem das formas mais variadas, isto porque “o sentido é uma direção que a significação pode tomar dependendo das
escolhas que o receptor fizer, dependendo daquilo que o atinge ou que ele quer
atingir” (PINTO, 2008). Funda-se uma relação entre “emissor” e “receptor”
num movimento de troca ininterrupto e complexo, como se enredando um tear, em
que fios se entrelaçam e fazem suas conexões, uma rede. Algo que ora é signo,
se torna significante e se transmuta em significado, desse modo falar da
produção de sentidos é no mínimo confuso. Como ser certeiro ao discorrer sobre
o emaranhado complexo que é a produção de sentidos? Como não ser ambíguo num
campo simbólico como é o dos sentimentos e das paixões? Falar de amor,
certamente, é provocar eloqüentes discussões. Sem dúvidas, este sentimento
provoca possibilidades de leituras, muitos discorrem sobre as formas de amor ou
sobre como se dá este vinculo emocional, outros descrevem sobre os jogos de
conquista nas relações ou sobre a tristeza do sentimento não correspondido.
Discursos que levam a crer ser este tema algo simples, ledo engano! Neste
contexto amplo e inexato, numa tentativa despretensiosa, vagueio sobre
fragmentos que envolvem esta manifestação sentimental entre amante e amado,
sobre o amor. Será possível?
Tomando como princípio
a impossibilidade de exterminar o caos em processos de interpretação e re-significação
que ocorrem também e, naturalmente, nas relações entre ser amado e amante a
inexatidão é, de fato, uma circunstância demasiadamente opulenta. Para Barthes
(2003) o amor se torna um valor poderoso e resistente para aqueles que amam,
ainda que apresentadas as dificuldades, os desesperos e os mal-estares, as
pessoas amam e partilham esta virtude encontrando, numa poética teimosa, boas razões para amar.
O que pulsa e atrai no
ser amado? Acredito que o desejo latente impulsiona e prende o ser amante nesta
leitura interpretativa. Por que não dizer relação interpretativa? Talvez seja o
desejo incessante de descobrir o que há nas nuances manifestadas pelo ser
amado, talvez o que se manifesta nele preenche uma carência do amante, talvez
as dúvidas ou um certo lugar de incertezas que atraem. O que há atrás do véu?
Que fendas são estas? O que me
falta? Qual o segredo deste entrelugar?
Amo e sou amado? O sentido estará sempre em “outro” lugar e a troca acontece
incerta e fluida de forma incessante numa construção imaginária infinita. Esta
cadeia de sentidos é de grandeza incalculável, e em se tratando de construção e
produção de sentidos, me atrevo a dizer que estas trocas entre amados e amantes
são como manifestações artísticas performáticas. As performances tem a
capacidade de atrair o olhar atento dos transeuntes, que param, se prendem e
acontece naquele instante um elo. O olhar, segundo Barthes (1990), sempre
procura alguém ou alguma coisa, ele é inquieto. Este “olhar” denotado por
Barthes diz do sentir, da escuta, do toque, da procura!
O olhar atento do
amante encontra em seu objeto algo que o fascina, algo que o classifica,
invariavelmente, como ser único, dotado de uma originalidade brilhante e aura
encantadora.
“Encontro em minha vida milhares de corpos; desses
milhares, posso desejar algumas centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O
outro de que estou enamorado me designa a especialidade de meu desejo.” (BARTHES, 2003, pag. 11)
O amado, por sua vez,
atua fabricando uma linguagem própria que reforça esta classificação, um
vai-e-vem abundante de produção de sentidos que se tangenciam na busca
incessante pela miraculosa completude. Importante declarar aqui, que este
fragmento sobre o qual discorro, pressupõe uma relação mútua e, portanto,
compartilhada. Entretanto, os signos, linguagens, códigos “compartilhados”
dizem de um lugar peculiar de cada consciência nesta relação. Então como o ser
amado e o ser amante seriam capazes de interpretar algo de forma idêntica sem
que algo escape? Nesta troca “tudo” pode significar nada; o dito, pode não
dizer; o que se esconde, também se mostra. Signos produzem sentidos mas estão
sempre aquém do Sentido, segundo Pinto (2009). A impossibilidade grita, pois o
processo de produção de sentidos é individual, o sujeito constrói um universo
só dele, paralelo, atraído pela possibilidade de preenchimento de fendas,
através de um conhecimento particular (HILDEBRANDO, 2003). Já que o sentido
produzido é proveniente de referências, experiências, aflições, lembranças
vindas da percepção de um mundo próprio, um lugar simbólico e muito singular,
talvez falar de um espaço “virtual” não será tão absurdo, já que existe somente
no imaginário e é neste lugar que os seres se diferenciam, invariavelmente e
evidentemente, também em suas expectativas, desejos e ideias.
Amantes e amados se
misturam neste processo fantástico e sedutor, por algum motivo se atraem, se
distanciam, se confundem e a busca perdura. Ouso dizer, pelo amor à poesia da
Vida, que o que procuram seres amantes e amados é também o que procura
persistentemente a humanidade, preencher o que lhes falta. A completude está além
de nós, ela é fugidia. Este é o sentido.
Bibliografia
BARTHES, Roland. O Óbvio e o
Obtuso. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1990.
BARTHES, Roland. Fragmentos de um
Discurso Amoroso. Martins Fontes. 2003.
COHEN,
Renato. Performance como Linguagem.
Editora Perspectiva, São Paulo, 2002.
HILDEBRANDO, Antônio; Nascimento, Lyslei; ROJO, Sara. O corpo em performance: Imagem, texto,
palavra, NELAP/FALE/UFMG, Belo Horizonte, 2003.
OLIVEIRA, Ivone de Lourdes e SOARES, Ana Tereza Nogueira (Orgs). Interfaces e Tendências da Comunicação no
Contexto das Organizações. São Caetano do Sul SP. Difusão. 2008.
PINTO, Julio. Algumas Semióticas
/ Julio Pinto, Vera Casa Nova.
Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2009.
PINTO, Julio. O Ruído e Outras Inutilidades; Ensaios de
Comunicação e Semiótica/ Julio Pinto. Belo Horizonte. Autêntica, 2002.
2 comentários:
Li, reli, li de novo ainda...
Claro... a poesia está em vc, está no seu jeito de ver o mundo. Mas o texto é também filosófico, sociológico... semiótica pura! Quantas nuances ele nos instiga a refletir...
Alguns filmes que gosto muito tratam dessa presença misteriosa que invade a nossa existência: o amor! "De Lovely" é um deles. Amor e desejo: como os confundimos...
Alguns veem no amor a saciedade, outros (como vc bem disse) veem a incompletude, a falta perene.
Djavan é sábio quando diz: "E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços"
Parabéns, Tatiane! Vc brilha cada vez mais!
Ahhh Djavan!! Adoro a poesia dele! O texto é mesmo semiótica pura, é a nossa Vida, cheia de fendas e nós né? E por isso bonita e feia ao mesmo tempo... delicada e forte, macia e pedra... a Vida é assim um eterno descobrir!
Obrigada por vir me visitar aqui (sempre)!
Postar um comentário